domingo, 15 de junho de 2014

"A Mão do Diabo"


Três excertos do décimo romance de José Rodrigues dos Santos.

tação 1 (pp. 167, 168)
"O Partido do Estado é constituído por todas as pessoas que dependem do estado, não é verdade? São setecentos mil funcionários das administrações central, regionais e municipais, três milhões e meio de pensionistas, mais de um milhão de desempregados e outro milhão de pessoas que auferem diversas prestações sociais e regalias, coisas que pesam no erário público." Endireitou as sobrancelhas. "Dá seis milhões de pessoas. É o maior partido de Portugal."
Filipe voltou a encarar Alexandre.
"Você já viu?, perguntou. "Isto significa que sessenta por cento dos portugueses vivem graças ao dinheiro dos contribuintes (...) 
Sabe qual é a percentagem das receitas fiscais gastas pelo estado em pessoal e prestações sociais?" Fez-se uma pausa para preparar a revelação do valor. "Em 2010 eram noventa e seis por cento."
"Noventa e...?" Alexandre ficou de boca aberta. "Mas isso é... é quase todo o dinheiro!"

Citação 2 (pp. 526, 527)
"Sem união política, a moeda única europeia não vai funcionar! Não há volta a dar ao problema. Uma união monetária beneficia sempre o centro e prejudica a periferia. (...) 
"Está a dizer que os países periféricos não aguentam uma moeda única europeia?"
"Aguentam se houver união política que permita as transferências compensatórias", respondeu o economista. "Caso contrário não aguentam. E há outra coisa: os países periféricos terão que fazer reformas urgentes no sector laboral para suportarem o impacto da competição internacional. (...) Sem reformas, vão acabar esmagados pelas importações". (...)
"Então qual é a vossa conclusão final?"
"A moeda única, tal como está a ser concebida, não se vai aguentar." 

Citação 3 (p. 540)
"Fazem-se obras que não são necessárias só para dar dinheiro aos financiadores. Uma inspecção do Tribunal de Contas permitiu concluir que quase setenta por cento das despesas de consultoria efectuadas num ano em Portugal eram por recurso a ajuste directo. Só em menos de três por cento dos casos houve consulta a mais de um prestador de serviços.
"Como é possível?", questionou-se Agnès Chalnot. "Portugal não é um país da União Europeia?"