sábado, 4 de outubro de 2014

O fim da linha


Preocupa-me a fraqueza da palavra dada.

Setembro de 2014. O Ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato pediu “desculpa aos professores, aos pais e ao país”; a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, assumiu "integralmente a responsabilidade política" pelo erro cometido relativamente à plataforma CITIUS.

Maio de 2010. Pedido de desculpa feito por Pedro Passos Coelho, como presidente do PSD, aquando da viabilização o PEC III do governo de José Sócrates: "Quero começar por pedir desculpa, não porque me sinta responsável, mas as medidas hoje aprovadas representam um conjunto de medidas duras para a maioria dos portugueses". 

Outubro de 2011. Pedro Passos Coelho, como primeiro-ministro, no Parlamento, aquando da discussão do seu primeiro Orçamento do Estado, em resposta a António José Seguro revelou o seguinte: "As medidas são minhas mas o défice que as obriga não é meu." 

Em setembro de 2014, ambos os ministros pediram desculpa, mas não assumiram as suas responsabilidades, minimizaram as situações, dizendo que na educação apenas 2% padeceram da situação e que na justiça eram questões menores, seguindo o exemplo do primeiro-ministro em maio de 2010 e em outubro de 2011.

Em síntese, todos pediram desculpa, mas nenhum se sente responsável pelos danos causados. Ora, pedir desculpa parece-me um ato heróico, mas só quando há verdadeiro arrependimento da culpa. Quem pede desculpa, pretende, à partida, um perdão da culpa, para ficar sem ela, logo dever-se-ia sentir culpado, por isso interrogo-me: qual é o sentido de se pedir desculpa e apresentar como justificação que afinal não se tem culpa?

A atitude destes ministros é louvável, mas se cada um abandonasse as respetivas funções pelos danos que têm causado em muitas pessoas, o país agradecia. Para mim, basta, chegamos ao fim da linha.

No atual contexto social, económico e político, estamos, seguramente, no fim da linha da democracia tal como está, pois este sistema, na sequência da persistente mentira política, esgotou-se. Forçosamente, tem que mudar, uma vez que a democracia só existirá verdadeiramente se for simultaneamente política, económica e social.

As pessoas revoltam-se e têm razão. Os cidadãos, cada vez mais, acreditam menos na política, nos políticos e nos partidos, dado que constatam que muitos fazem exactamente o contrário daquilo que prometeram e, muitas vezes, as políticas implementadas não são exatamente o que é necessário para acabar com o estado de sítio em que estamos mergulhados.

Para podermos voltar a acreditar na política e nos políticos, estes dever-se-iam sentir obrigados a honrar com a palavra dada, executando os programas que propuseram aos eleitores. Quem não estiver em condições de o cumprir, deverá demitir-se do exercício das suas funções. Não pode haver mais desculpas para quem não cumpre.

No início da nossa democracia, primava o valor ideológico e os cidadãos apoiavam os partidos políticos. Agora, muitos há que utilizam os partidos (para servir-se e não para servir), não defendendo os valores e as ideologias que apregoam. Alguns querem atribuir a culpa aos partidos, enquanto instituições ou organizações, defendendo estar acima dos partidos e que o mais importante são as pessoas, mas o verdadeiro problema está nas pessoas que os constituem. Assistimos, impávidos e serenos, a um circuito fechado entre militantes e simpatizantes nos partidos em que se aplaudem uns aos outros de conferência em conferência. É esta incongruência que afeta a sua seriedade, sendo que a verdadeira missão nem sempre está presente naqueles que têm responsabilidades de governo e de gestão. 

Numa sociedade em que os valores parecem estar em queda livre, é urgente pensar-se uma forma diferente para informar e cativar as pessoas para a política. Esta é uma tarefa urgente e compete essencialmente aos partidos políticos levá-la a efeito. Estes devem estar mais abertos e atentos à sociedade civil e às necessidades dos cidadãos. Nos partidos deve prevalecer o direito à liberdade de expressão e todos os seus membros devem ser respeitados, o que pode ser rentabilizado nas respetivas estruturas internas, de modo a serem encontradas as melhores soluções. Certo é que enquanto as estratégias passarem mais pelas pessoas do que pelos projetos, enquanto se ligar mais às listas e aos nomes das pessoas do que ao que é necessário fazer, é difícil alcançar-se um porto seguro.

Como ainda militante do PSD, há 25 anos, com as quotas em dia, preocupa-me o estado do meu partido. Tornou-se, afinal, igual a outros. Falhou nos compromissos, arranja desculpas e tem comprometido os três valores fundamentais da social-democracia: a liberdade (política), a igualdade (económica), a solidariedade (social). Decididamente, este PSD não é o mesmo que conheci. Precisamos, de facto de um Portugal diferente, rumo à construção de uma sociedade renovada na Educação, na Justiça e na Liberdade.

Quem diz estar preparado para Mudar Portugal, tem, forçosamente, que saber comunicar, de uma forma clara, todas as medidas que abrangem todos os portugueses. Não podemos pactuar com pseudodemocracias manipuladas. Sabendo que os portugueses estavam recetivos para a mudança, tendo percebido que nada pode ser como dantes e que não podemos viver acima das nossas possibilidades; sabendo que os portugueses estavam dispostos a acompanhar as necessárias reformas essenciais a efetuar no estado, assistimos a cortes atrás de cortes, sendo uns filhos e outros enteados. 

Para mim, basta, chegamos ao fim da linha.

In Cardeal de Saraiva, 9 de outubro de 2014