terça-feira, 23 de junho de 2020

Eu mudava o currículo (matrizes curriculares)

Sabendo que quem tem o poder de definir a política educativa é o poder político, constata-se que, em Portugal, nos nossos dias, há uma centralização sobre o currículo. Embora a tendência, com a globalização, seja uniformizar a sociedade e, consequentemente, perder-se a individualidade, há que saber preservar e valorizar a identidade, pelo que impera considerar o contributo de todos os intervenientes no processo.
Assim, tendo em conta o triângulo didático currículo, professor, aluno, e sem esquecer a essência de cada um, deve existir uma articulação eficaz entre o poder e aqueles que o influenciam, designadamente, os pais, os parceiros económicos e sociais, os académicos e ainda as editoras, bem como entre os órgãos de gestão, os órgãos intermédios, os conselhos de turma e os professores. 

Neste concernente, facilmente podemos depreender que a elaboração do currículo pressupõe uma negociação, de forma a conseguir-se um equilíbrio entre os mais diversos pontos de vista e a garantir-se os direitos humanos em termos de aprendizagens e da formação dos cidadãos. Tendo em vista melhores resultados escolares, a gestão de recursos e um ensino das disciplinas mais produtivo, é pertinente haver coragem para mudar o currículo. 

Sabendo que um currículo pressupõe escolhas, aqui apresentam-se algumas opções, tendo em vista os mais diversos anos de escolaridade. 

Para começar, atendendo ao atual contexto das diferenças entre os ciclos de estudos vigentes, parece pertinente organizá-los de uma forma diferente, designadamente em três partes: 1.º ciclo, 4 anos de escolaridade (do 1.º ao 4.º ano); 2.º ciclo, 5 anos de escolaridade (do 5.º ao 9.º ano); ensino secundário (do 10.º ao 12.º ano). 

Se relativamente ao 1.º ciclo e ao ensino secundário, em termos curriculares, parece adequado manter-se, no essencial, a atual organização, nos atuais 2.º e 3.º ciclos, correspondentes ao 2.º ciclo agora proposto, é imperioso agir. 

Em primeiro lugar, no 2.º ciclo agora proposto, distinguir, nas componentes do currículo, duas componentes, uma de formação geral e específica e outra de educação física, artística e tecnológica. 
Neste âmbito, seriam de considerar disciplinas de formação geral e específica, as seguintes: Português, Língua Estrangeira, História, Geografia, Matemática, Ciências Naturais e Físico-Química. Nesta formação, a avaliação seria formativa e sumativa, e expressa de uma forma quantitativa. 

Quanto à/s língua/s estrangeira/s, é essencial estabelecer parcerias para se poder garantir que a certificação das respetivas competências dos alunos seja reconhecida no estrangeiro, através de testes internacionais realizados nas nossas escolas ou em entidades parceiras. 

Atendendo à oferta desta componente, as disciplinas de Ciências Naturais, História e Geografia de Portugal, História, Geografia e Físico-Química, deveriam ser distribuídas equitativamente pelo período dos cinco anos previstos, devendo ser obrigatória, pelo menos, a frequência de três por ano. 

Na componente de educação física, artística e tecnológica, seriam de considerar as seguintes áreas: Educação Física, Educação Musical, Educação Tecnológica, Educação Visual, EMRC ou outra e TIC. Nesta componente, a avaliação seria formativa e expressa de uma forma qualitativa. 

Neste contexto, importa garantir a colaboração com as autarquias e as instituições artísticas, de forma a promover a prática, o conhecimento e a apreciação das artes. 

Ainda no que concerne a esta componente de educação física e artística, as disciplinas de Educação Física, Educação Musical, Educação Tecnológica, Educação Visual, funcionariam, obrigatoriamente, em horário distinto do da formação geral e específica. 

Atentos à importância da Educação Física na formação dos jovens, esta disciplina dever-se-ia organizar entre a prática de Educação Física propriamente dita e a prática de uma modalidade desportiva ou de uma outra atividade lúdica, a escolher pelos alunos, sendo distribuída por dois momentos semanais distintos. Tudo isto, essencialmente assente em dois objetivos fundamentais: i) adquirir prazer e hábitos de prática desportiva; ii) sensibilizar para a importância do exercício físico no dia a dia do cidadão. 

Ademais, as áreas que integrariam a componente de educação física, artística e tecnológica, não contariam para a progressão / transição dos alunos, contudo seriam alvo de uma avaliação qualitativa nas reuniões de conselho de turma. Àquelas em que não houver opção dos alunos não seria, naturalmente, exigida a presença do professor, nem tão pouco a sua pronúncia, nas reuniões de conselho de turma. 

A oferta desta componente, nas disciplinas de Educação Musical, Educação Tecnológica, Educação Visual, deveria ser distribuída equitativamente pelo período dos 5 anos previstos, devendo ser obrigatória, pelo menos, a frequência de 2 por ano, sendo que cada aluno deveria experienciá-las todas. 

Acresce ainda referir que também se considera fundamental atribuir um tempo máximo de 30 horas letivas semanais às matrizes curriculares do 5º ao 9º ano de escolaridade. Esta situação permitiria que os alunos tivessem tempo disponível para estudar e facilitaria a organização do seu estudo e de outras ocupações, por parte dos próprios ou dos encarregados de educação. 

Relativamente ao ensino secundário, o funcionamento da Educação Física seria idêntico ao agora proposto para os 2.º e 3º ciclos. Nestes termos, a frequência de Educação Física seria obrigatória, em dois momentos semanais distintos, com exceção daqueles que comprovadamente, por atestado médico, estivessem dispensados, e a sua avaliação qualitativa não entraria na média dos alunos. Aqueles alunos que ponderassem optar pela via de desporto, poderiam requerer, na altura da inscrição, uma avaliação quantitativa à referida disciplina, contando esta para a respetiva média interna. 

Ainda no âmbito do ensino secundário, devem ser claramente assumidas três vias de formação para os jovens, embora se possa admitir que as três permitam o acesso ao ensino superior, a saber: i) ensino centrado na preparação para exames, tendo em conta o acesso ao ensino superior; ii) ensino profissionalizante, tendo em vista as necessidades de formação para o mercado de trabalho a nível local, regional ou nacional; iii) ensino centrado em projetos de trabalho colaborativo e de cidadania. 

Ora, fazer um misto destas opções é que parece demasiado ambíguo e pouco eficaz, pois, neste momento, é solicitada aos alunos uma panóplia de conhecimentos e de ações que os perturba na sua concentração. Hoje em dia, há dois caminhos: ou a via dita “regular”, ou a via profissionalizante, daí a sugestão de distinguir três vias, em que a opção curricular seja evidenciada e que provoque um novo processo no acesso ao ensino superior. Não se pode pedir tudo a todos simultaneamente. 

Concomitantemente, a todos os alunos do ensino secundário deviam ser apresentados projetos nacionais e /ou internacionais, estabelecendo-se parcerias com as universidades, as autarquias, o IPDJ e outras entidades. Consequentemente, a sua participação devia ser reconhecida e declarada e o seu envolvimento devia constituir parte integrante da sua formação, devendo os respetivos diplomas acompanhar as certidões de estudos. É essencial, nesta fase, começar a pensar-se na aproximação das escolas com formação do nível secundário a instituições do ensino superior. 

Paralelamente a tudo isto e atendendo às eventuais dificuldades na implicação do processo de formação dos seus alunos, quer de índole de acessibilidade, quer no alcance de sucesso escolar, cada escola teria que se organizar implementando mecanismos de prevenção do insucesso, de modo a proporcionar um Apoio ao Estudo (complemento facultativo para os alunos), devendo ser atribuídos, para o efeito, tempos semanais aos alunos e professores acompanhantes. No que diz respeito à consolidação de aprendizagens, essa organização tornar-se-á mais sólida se efetuada por ano de escolaridade, em par pedagógico de professores, de modo a incidir em exercícios práticos, com a aplicação de conteúdos, articulados com os respetivos professores da disciplina / turma, tendo por base o diagnóstico. 

Urge dar condições às escolas para que possam cumprir com as suas funções na socialização dos estudantes, na criação de hábitos de disciplina e de conduta social, de modo a que se possam repercutir na vida adulta. 

Atentos ao anteriormente referido, urge reformular os currículos (re)ajustando os programas à nova realidade, bem como redefinir a designação e os grupos docentes e eventualmente redistribuir a carga horária das diferentes disciplinas. 

Por último e no seguimento do antedito, ciente de que houve, no passado, medidas que foram, inicialmente, contestadas por muitos, hoje são bem aceites, importa promover o sucesso escolar, de modo a permitir aos jovens que façam as suas escolhas com êxito, qualquer que seja a sua vocação e os seus interesses.

Texto publicado no dia 7 de janeiro de 20201, no jornal ON "Odivelas Notícias", (link

2 comentários:

Manuel Pereira. disse...

O que propões merece um congresso para discutir e ouvir. Tens razão en quase tudo. Porém, a forma como fundes o 2 e 3 ciclos não está correcta. Eu defendo o mesmo que tu há muitos anos. Já o disse e escrevi, mas com uma alteração: o 1 ciclo deve ter 5 anos e o 2 ciclo apenas 4. os meninos de 11 anos de hoje não encaram bem o 2 ciclo com tantas disciplinas e professores. Vê os outros sistemas europeus e pensa nisso.

Unknown disse...

Algumas destas ideias, no atual contexto merecem ser discutidas. Louvável a disponibilidade e a coragem para pensar "a coisa" e fazer propostas. Com algumas concordo (a ideia de uma "mentalidade internacional" no desenvolvimento do perfil dos alunos), com outras não (e que tal um 1º ciclo de estudos de 6 anos, centrado no desenvolvimento de temas transdisciplinares, assente num programa robusto de questionamento/investigação que disponibilize aos alunos experiências coerentes e conectadas durante o tempo que passam na escola?)

O meu problema é outro, é uma questão de fundo: será que, para além de discutir a forma, não é premente começar a discutir o conceito? Será que estas propostas consubstanciam um verdadeiro "mudar o currículo"? Será que cortam com a perspectiva Taylorista da organização do trabalho que continua a "contaminar" a organização e a prática da e na escola?

O PASEO veio colocar a questão nos seus devidos termos e no centro da nossa reflexão. A "legislação curricular" subsequente veio tentar dar corpo a essa ideia mas continua a esbarrar na malfadada questão da "explosão disciplinar", acabando por pedir-se à escola que faça a quadratura do círculo...

Às vezes, questiono-me: Leonardo da Vinci, Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, professores na nossa escola, "dariam aulas de quê"?

Como dizia o outro, "merecia um congresso para discutir e ouvir"!