quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Democracia e Liberdade

Mais um ano após o 25 de Abril, parece-me oportuno recordar dois termos extremamente ligados com a Revolução de 1974: “Democracia” e “Liberdade”.

A palavra Democracia significa, à letra, “poder do povo”, mas de facto não é o exercício real do poder pelo povo. Entende-se por Democracia que a comunidade exerce influência decisiva na prática do poder político, resultando uma forma de governo que emana do povo. Sendo um ideal e nunca se encontrando o ser humano satisfeito com o que tem, ela não passa de uma exigência da perfeição. Numa democracia todos os cidadãos nascem livres e iguais em direitos, por isso a sua base é a igualdade dos cidadãos e o respeito pela liberdade.

Esta representa a faculdade que o homem tem de agir ou não, de actuar de uma maneira ou de outra, e pela qual assume a responsabilidade dos seus actos. Só é livre quem tem capacidade de escolha. A liberdade política conduz-nos ao gozo dos direitos que a Constituição de um Estado livre assegura a cada cidadão. Cada um de nós, num estado de direito democrático, deve: fazer as suas escolhas, ter opiniões fundamentadas e espírito crítico, e optar por uma determinada linha ideológica, ou mesmo, por um partido político legalmente instituído.

Ser cidadão implica ter deveres e direitos. Há deveres cívicos como votar, pagar, defender. Votando, temos o direito de exigir a quem foi eleito que corresponda com as promessas que fez; pagando, temos direito a maior segurança e a utilizar os bens públicos, como escolas, hospitais, tribunais e outros; defendendo, temos direito à nossa autodeterminação. Deveres e Direitos estão intimamente ligados entre si, ou seja, tenho deveres para poder exigir os meus direitos e só tenho direitos se cumprir com os meus deveres. A esta coexistência entre direitos e deveres, deve corresponder a responsabilidade.

Em democracia a liberdade exige responsabilidade e a democracia sem a liberdade é frágil. A liberdade, para além de um direito, é um respeito e é na capacidade de respeitar a liberdade do outro que fundamentamos o direito à nossa própria liberdade.

Creio ser importante, nesta data, recordar a coragem e o risco assumidos pelos militares de Abril, não só os que são conhecidos por todos nós, mas também todos os outros que colaboraram na revolução de 1974. Esta não foi sangrenta, e isso convém registar. Houve uma grande vontade de mudança e um grito de nova esperança que sempre devemos reter na nossa lembrança. No entanto, na Revolução, nem tudo foi bom, mas nesta comemoração não vou lembrar os excessos que foram cometidos, nem dizer que tudo está esquecido, pois parece-me mais oportuno registar a Democracia e a Liberdade que todos sentimos ter.

Sem esquecer o passado, mas não é nele nem em função dele que vivemos, convém no momento presente começar a construir o futuro. A nossa esperança renascida, numa democracia de escolhas livres, leva-me a apelar a um tempo de convicções pelas quais valha a pena lutar, leva-me a apostar num desenvolvimento humanizado, restituindo à política a nobreza da sua função enquanto instrumento ao serviço da vida, leva-me a pedir aos políticos em geral e a todos nós em especial que não esqueçamos o nosso dever de servir e não de ser servidos. É esta imagem de seriedade e de missão que nem sempre está presente naqueles que têm responsabilidades de governo e de gestão.

Devemos fazer um levantamento das necessidades e das prioridades, atendendo mais aos interesses dos necessitados do que aos interesses dos apoiantes, para posteriormente planificar e executar. O que nos tem que distinguir é a vontade de construir um tempo novo, um tempo diferente, é a convicção de que é sobretudo neste tempo que há-de ganhar-se o sentido da celebração, para que esta não seja só memória, mas antes presente e futuro, enquanto projecto de verdadeira esperança.

A arma da democracia consiste em ter vigor na denúncia e acreditarmos na ideologia. Denunciar tudo o que não siga as normas da coerência, honestidade, seriedade e carácter políticos, bem como acreditar poder viver onde todos decidem como se fossem um todo no interesse de todos, devem fazer parte das nossas prioridades.

Os dias seguintes ao 25 de Abril trouxeram para as ruas todas as organizações, grupos e associações que operavam subterraneamente, minando as fundações do regime ditatorial. Com elas instalou-se, numa primeira fase, a euforia revolucionária de esquerda que só terminou verdadeiramente em 1979 com a Aliança Democrática de Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Teles. Sabemos que a oposição raramente ganha eleições: na Monarquia Liberal controlava-se o sistema; na República houve sempre o mesmo partido no poder. Só o nosso sistema pode orgulhar-se porque conseguiu que a oposição ganhasse eleições. Desde o 25 de Abril a oposição só ganhou duas vezes: uma em 1979 com a Aliança Democrática, seguindo-se o Bloco Central e depois Cavaco Silva; e outra em 1995 com António Guterres.

Hoje o poder económico tem mais valor que o poder militar. Há uma limitação quanto à utilização do poder da força. Tendo presentes os desafios colocados pelo aprofundamento da integração de Portugal na CEE e a necessidade de introduzir um novo dinamismo na vida económica nacional, o PSD e o PS chegaram a um acordo em 14 de Outubro de 1988, que esteve na base da revisão constitucional de 1989. Os partidos em causa chegaram a acordo quanto à eliminação do princípio da irreversibilidade das nacionalizações, com vista à melhoria do nível de vida dos portugueses.

Diminuir as funções do Estado e aumentar as funções da sociedade civil, são as grandes linhas orientadoras da actualidade. Daí considerar premente a necessidade das privatizações, da descentralização, do reforço do poder autárquico.

O Poder Soberano do Estado divide-se internamente em executivo, legislativo e judicial, mas creio poder acrescentar-se o Banco Central e a Comunicação Social.

Hoje vivemos com liberdade de opinião e de expressão. O que torna a opinião pública é a capacidade de comunicar, mas o próprio acto de comunicar não é neutro, porque a informação nunca é pura, porque é sempre acompanhada de uma interpretação. Dizem mesmo que a opinião pública é aquela que se publica. Contudo, há factores que concorrem para a opinião, como a educação familiar, a instrução escolar, a experiência pessoal, a comunicação social, os debates e as campanhas políticas, mas muitas vezes estes factores de opinião estão instrumentalizados pelo governo, pelo estado, pela autarquia, pela oposição ou por grupos de pressão.


SERVIR É UMA ARTE SUPERIOR!
J. Nuno Vieira de Araújo
In, Jornal de Notícias (Página do Leitor), 28Abril2001

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