quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

“Marcha da Indignação”: Reformas na Educação

No dia 8 de Março, os Professores conseguiram a maior manifestação de sempre em Portugal, desde o 25 de Abril de 1974. Participaram cerca de 100 mil professores na "Marcha da Indignação" e exigiram a demissão da ministra da Educação, a renegociação do ECD (Estatuto da Carreira Docente) e a suspensão do processo de avaliação de desempenho. Tudo isto porque o principal problema na Educação, neste momento, reside na simultaneidade / mistura de várias reformas: estatuto dos docentes, avaliação de desempenho, aulas de substituição, administração e gestão, estatuto do aluno, alunos com NEE (necessidades educativas especiais) nas escolas.
Para começar o ECD prevê a coexistência de duas carreiras, a dos professores titulares e a dos não titulares, sendo que, o concurso para professores titulares não foi permitido a todos os professores e os seus critérios não foram considerados por muitos os mais justos. Neste momento, terminado o primeiro concurso para professores titulares, assiste-se a uma sobrecarga de trabalho por parte destes docentes, pois o processo educativo está demasiado burocratizado.
Quanto à avaliação, o timing não é, de facto, o mais adequado, pois há imensa pressão e não dá tempo para se reflectir sobre os documentos que estão a ser criados. Ao saber-se que o Conselho Científico, previsto na Lei nº2/2008, que tem como função supervisionar o processo, ainda não emitiu as orientações esperadas no sentido de normalizar a avaliação, facilmente se poderá concluir que este processo não deveria ter sido iniciado. Para além disso, há algumas questões que merecem ser alteradas, nomeadamente, a avaliação ser feita pelos pares, a avaliação ser feita por professores de áreas distintas para as quais estão habilitados, a avaliação / progressão depender dos resultados obtidos pelos alunos. Seria de todo pertinente que os critérios fossem bem ponderados e que se sentisse honestidade em todo o processo, pelo que é necessária uma mudança que seja bem sustentada. Uma vez que Portugal está integrado na União Europeia, poder-se-ia fazer um estudo comparado entre os mais diversos modelos de avaliação para se constituir um credível. Uma solução seria colocar a avaliação dos professores no seio da IGE (Inspecção Geral do Ensino), nem que para tal fosse necessário abrir novos quadros na IGE, ou então, estudar a proposta do PSD (Partido Social Democrata), que defende a criação de uma agência externa.
Aliás, a tão proclamada ideia das aulas de substituição surgiu com o PSD no governo e hoje decorre com alguma naturalidade nas escolas. Hoje há alguma autonomia face à gestão dessas horas, no entanto, a sua existência no primeiro e no último blocos lectivos não tem os resultados esperados, quando um professor tem necessidade de faltar e não teve tempo para deixar um plano de aula, nem conseguiu que um colega o substituísse. As aulas de substituição têm todo o sentido quando um professor troca uma aula prevista com um colega do seu conselho de turma ou do seu grupo disciplinar e nestes casos já têm sentido no primeiro e no último blocos.
Relativamente à gestão, o DL115-A/98, com algumas alterações, servia. Nesse DL até consta a questão da autonomia das escolas. Decididamente o problema, neste momento, não é de gestão, no entanto, a forma prevista na nova lei mistura dois processos, que é o da coexistência de um concurso com uma eleição, isto é, por um lado cada candidato apresenta o seu projecto para análise, por outro haverá uma eleição secreta por parte do conselho geral. De qualquer modo, o que mais custa a aceitar é o facto de nem todos os professores poderem participar na eleição do director da sua escola / agrupamento de escolas.
O estatuto do aluno e a colocação dos alunos com NEE nas escolas nem sequer deviam ser colocados na agenda neste momento, não só devido às inúmeras reformas que estão por consolidar, mas também porque muitas escolas carecem de recursos físicos e humanos. No que diz respeito à assiduidade, o estatuto do aluno tornou-se num processo burocrático para os professores e facilitador para o aluno, retirando ao aluno o culto do trabalho e a responsabilidade. A colocação dos alunos com NEE nas escolas carece de capacidade de resposta por parte destas.
Há uma pressão enorme para os resultados, é certo, contudo, facilmente se pode concluir que todo este processo está a ser politicamente mal gerido. O que está em questão não são os professores, nem a sua avaliação. Urge dar condições às escolas para que possam cumprir com as suas funções na socialização dos estudantes, na criação de hábitos de disciplina e de conduta social, de modo a que se possam repercutir na vida adulta.

17 de Março de 2008
J. Nuno Vieira de Araújo
In Cardeal de Saraiva, 2008

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