quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O Poder Local

Ao falarmos em poder local e tendo em conta o actual sistema eleitoral, que apenas prevê, quanto à freguesia, a constituição de listas de cidadãos, estamos conscientes que para o país e para o município, só os partidos ou coligações partidárias podem entrar no acto eleitoral. Tendo em conta que a democracia é fundamentada em ideologias, valores e princípios, representados por determinadas organizações ou instituições, às quais chamamos partidos políticos, podemos considerar que cada cidadão candidato, até hoje, conseguiu rever-se nos partidos existentes.
No meio de tanto partido político, com as mais diversas ideologias, por que razão há eleitores que não se conseguem rever em nenhum? Certamente que o mal não está nos partidos, nem nos valores que defendem, nem muito menos nas ideologias que apregoam. O mal está nas pessoas que os utilizam. Aliás, justifico a descrença crescente em relação à política, dados os abusos no desempenho das funções para as quais muitos foram eleitos.
Nos nossos concelhos consideramos ser urgente renovar as prioridades da nossa política, dando-se maior atenção aos anseios, às necessidades e aos interesses das populações locais, passando essencialmente pelos seguintes itens: i) investir nas freguesias, atribuindo mais verbas às respectivas juntas, de modo a permitir que as freguesias sejam vistas como organizações autónomas; ii) fazer um investimento sério e digno na educação, no desporto e na saúde; iii) apoiar efectivamente a cultura, nomeadamente o folclore e as romarias; iv) executar obras públicas, como o abastecimento e a salubridade públicas, o saneamento básico e as redes de comunicação; v) promover a acção social, no que diz respeito à protecção à criança e à terceira idade; vi) garantir a segurança dos cidadãos, prevenindo e agindo conforme as normas da protecção civil; vii) defender o meio ambiente e a qualidade de vida.
Estas deviam ser as grandes preocupações de quem está a gerir os destinos dos concelhos de Portugal, no entanto, assistimos à problemática dos independentes. Independentes para as Juntas, independentes para a Câmara. Até parece que estamos perante um leilão de independentes. Quem dá mais? A política assim faz-me lembrar as nossas tradicionais feiras: antigamente, havia a troca de mercadorias; agora, vendem-se os produtos.
Dizer-se que se é independente só por não se ser militante ou simpatizante de um partido político não me parece um acto heróico, num estado de direito democrático. Só há um significado de "independente" em que acredito plenamente: o de vivermos num país livre, em que se goza de independência e onde todos os cidadãos se governam por leis próprias. Considero um verdadeiro independente aquele que usa da liberdade de indiferença. Aceito e respeito os indiferentes, isto é, todos aqueles que não têm interesse por qualquer partido. Desconfio daqueles que se dizem independentes e que dizem estar acima dos partidos, daqueles que se dizem independentes depois de abandonarem partidos políticos, daqueles que militantes e eleitos por um partido o renegam e afirmam que o importante são as pessoas.
Como é que, no actual sistema, pode haver independentes na Assembleia da República, nas Câmaras e nas Assembleias Municipais, se a sua eleição está dependente de um partido? Será que esses independentes aceitariam ser candidatos por qualquer partido político? Assim como quem vai ao futebol tem alguma afinidade para com a bola, assim também quem concorre por um determinado partido tem qualquer afinidade com a sua ideologia e quem é candidato a um cargo político tem qualquer afinidade com a política.
Mesmo que futuramente mude o sistema eleitoral, permitindo constituir listas de cidadãos para as Câmaras Municipais, como é que se pode perceber que quem sempre concorreu por um determinado partido ou partidos, venha agora concorrer sem o seu auxílio? Desconfio deste tipo de independentes.
Neste contexto, podemos afirmar com segurança que os actuais independentes são os mais dependentes de quem os conquistou. Temos que dizer claramente Não à política de se és meu, terás; se não és meu terás de ser para ter; se continuas sem ser meu ou sem estar do meu lado, nada terás. As freguesias devem ser organizações autónomas, que se justifiquem em si mesmas pela sua maior aptidão na realização de determinados interesses das populações que representam; não devem ser “simples câmaras de ressonância” dependentes de um executivo camarário.
Ao falar-se em poder local, consideramos que o mais importante é o respeito pelas opções da maioria. É pena que, na prática, os que se dizem democratas, não respeitem as regras da democracia e as diferentes posições partidárias. Não podemos pactuar com pseudodemocracias manipuladas.
Os políticos eleitos devem estar acima dos partidos no exercício das suas funções, e devem ter como principais características a dedicação e a disponibilidade necessárias à actividade política, com o espírito de serviço aos outros.

J. Nuno Vieira de Araújo
In Cardeal de Saraiva, 06Jul.2001

1 comentário:

Opinio firma disse...

Sugestão de leitura: "Crónicas de um autarca" de Paulo Júlio
http://www.fnac.pt/Cronicas-de-um-Autarca-Paulo-Julio/a357377